Nuno Teotónio Pereira
Eu decidi que queria ser arquiteta com oito anos de idade.
Naquela altura, eu vivia numa casa pequenina, mesmo pequenina. E nessa altura foram contratadas duas arquitetas para a remodelação e ampliação da empresa da qual a minha mãe era sócia. Essa ampliação albergava um apartamento para cada um dos sócios, e haviam-me prometido um quarto só para eu poder ter os brinquedos! Eu estava tão feliz!
A verdade é que, olhando para trás, não guardo memórias de me ter sentido apertada nessa casinha. Naquela altura eu, uma criança introvertida - quase arrisco dizer extremamente introvertida -, encontrava em casa o meu porto de abrigo. Tinha, e tenho, uns pais maravilhosos que sempre me deram toda a atenção do mundo, e talvez por isso a memória da limitação de área não tivesse ficado gravada na minha mente. Agora eu vou lá e penso: como era possível eu ter conseguido brincar às escondidas aqui??
Mas recordo-me de querer levar para lá as amigas e não ter espaço, de não conseguir arrumar os brinquedos...e então, surgem elas! Duas arquitetas a desenhar um quarto grande só para mim e outro para os meus brinquedos! E vinham cheias de papéis debaixo do braço, e com canetas, e punham-se a idealizar e a riscar.
Nessa altura eu, na minha inocência de menina de oito anos, decidi que queria ser arquiteta para desenhar casas bonitas para as pessoas e poder fazê-las felizes, como eu me estava a sentir nesse momento. Recordo-me perfeitamente de imaginar o ato de entregar a chave de casa aos meus clientes e de os ver felizes a descobrir os recantos do seu novo espaço.
Sim, porque para mim, naquela altura, cliente não mandava! Para mim, eles diziam que queriam uma casa e eu projetava e seguia a obra e já quando estivesse toda terminada e mobilada é que eu lhes entregava a chave!! Like a boss!! :) é tão bom ser criança!
Claro que com o tempo os sentimentos foram-se alterando, mas, e ainda naquela fase de confusão que me fez ir para Científica e Natural no 10º ano, ficava sempre cá dentro uma vozinha a dizer "tens de ser arquiteta porque é tão bom viver em espaços bonitos!".
E estas memórias vem todas ao de cima quando se fala num arquiteto que tinha a preocupação em criar edifícios para as pessoas, que trabalhou tanto a habitação social e renovou os programas para melhorar as condições dos trabalhadores, e nos deixou um legado tão humano. Nuno Teotónio Pereira faleceu hoje, e eu tinha de o mencionar aqui.